O preço da falta de investimento em diversidade de gênero em tecnologia

Beatriz Oliveira
SysAdminas

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Nos últimos dias, saiu na mídia a notícia de que a ONG Women Who Code está encerrando suas atividades depois de mais de uma década de trabalho. Não posso deixar de pensar no quão triste isso é, pois estamos falando de uma grande comunidade que, por anos, teve um impacto significativo na inclusão de mulheres na tecnologia e que, ao que tudo indica, está fechando por falta de financiamento.

Há algum tempo, eu gostaria de falar sobre isso, mas não conseguia encontrar as palavras certas para expressar meus sentimentos. Ler essa notícia mexeu comigo em um lugar que dói há algum tempo.

É evidente que nos últimos anos a pauta da diversidade de gênero em tecnologia tem estado em alta, com várias iniciativas de bootcamps, vagas afirmativas e mentorias exclusivas para mulheres, o que é ótimo. No entanto, para quem trabalha com essa pauta há mais tempo, sabemos o esforço necessário para manter projetos de diversidade em operação.

Trabalho voluntariamente com diversidade de gênero na tecnologia desde 2017. Durante esse período, participei de várias iniciativas e contribuí com grupos de afinidade em empresas, além de colaborar com diversas comunidades. Em 2019, inclusive, ajudei a co-criar a SysAdminas. Nos últimos 7 anos, tenho me dedicado genuinamente às comunidades reais.Inclusive, parte dos custos para manter a SysAdminas vem do meu próprio bolso, porque realmente acredito na causa.

O fato é que me envolvo nessa causa porque sei que com meu conhecimento e dedicação, posso contribuir para mudar um pouco desse cenário de desigualdade e falta de diversidade em tech. No entanto, muitas vezes as organizações não estão realmente dispostas a apoiar essas iniciativas. Muitas propostas surgem com a promessa de dar visibilidade para as pessoas e para as comunidades que estão trabalhando de graça, mas é evidente que visibilidade não é suficiente para pagar boletos.

Por que o trabalho das mulheres e em benefício delas vale pouco?

Já recebi os mais variados convites para participar de eventos e dar palestras, especialmente nos meses de fevereiro e março, quando os convites são mais frequentes devido ao Dia das Meninas e Mulheres em STEM e ao Dia Internacional da Mulher. No entanto, nenhum desses convites é remunerado, e quando é, o valor é muito baixo, tudo em troca da famosa “visibilidade”.

Certa vez, recebi um convite para palestrar sobre um tema técnico, e a solicitação da organização era que o tema fosse “do hype” (como eles próprios disseram), pois estavam em busca de novidades, inclusive mencionaram alguns tópicos que escrevi aqui em meu blog como referência. No entanto, não ofereceram nenhum pagamento pela participação. Mal sabem eles que para que eu esteja atualizada na área de computação em nuvem, é necessário investimento, pois estudar e me capacitar em temas "do hype" tem um custo. No entanto, para compartilhar esse conhecimento com eles, a proposta era que fosse de graça, pois não havia orçamento disponível para palestrantes, mas segundo eles, seria legal eu estar lá como mulher em tecnologia. Enfim, o tokenismo.

O reflexo disso também está nos salários oferecidos para as mulheres no mercado de trabalho. A diferença salarial entre homens e mulheres, que estava em queda até 2020, voltou a subir no Brasil e atingiu 22% em 2022, de acordo com dados do IBGE. Isso significa que, em média, as mulheres brasileiras recebem apenas 78% do salário dos homens.

Todos esses dados e experiências me fazem sentir como se a indústria estivesse fazendo um favor em dar oportunidades e espaço para as mulheres terem oportunidades, porém isso não é um favor. Simplesmente não é justo!

Por que cobra-se mais das mulheres?

É irônico pensar que as mesmas organizações que querem pagar pouco para investir em pautas de diversidade de gênero e garantir equidade salarial para mulheres são as mesmas que querem cobrar mais caro por produtos voltados para mulheres.

Segundo um artigo da Fercomercio, a pink tax (“taxa rosa” ou “custo rosa”), não é um movimento exclusivo do Brasil. Trata-se de uma prática de mercado consumerista apoiada em técnicas de marketing e design que torna os produtos desenvolvidos para mulheres mais caros que para os homens, mesmo que se trate de itens semelhantes.

Ainda segundo esse mesmo artigo, produtos voltados a mulheres custam mais em 42% dos casos, conforme uma pesquisa publicada em 2015 pelo Consumer Affairs (DCA), da cidade de Nova York que analisou mais de 800 produtos de 90 marcas.

O fato é que, atualmente, parece que estamos avançando em questões de diversidade, equidade e inclusão de gênero dentro e fora da tecnologia, à medida que conquistamos direitos e espaços que nos foram negados por muito tempo. No entanto, ainda há muitas diferenças, falta equidade de verdade e sobra marketing com frases de efeito, mas pouca mudança real nas estruturas.

Escrever sobre isso sei que talvez não mude nada. Na verdade, isso é apenas um desabafo de uma grande frustração que tenho, pois sei que enquanto questões de diversidade forem tratadas apenas como marketing, não mudaremos nada. Ainda existirão diversas barreiras e obstáculos que dificultam a vida das mulheres em todo o mundo.

Por fim, para o pessoal da Women Who Code, meu sincero agradecimento por suas contribuições em tornar a tecnologia mais diversa. Quando criei a SysAdminas, vocês foram um dos grupos que me inspiraram. Sempre achei o trabalho de vocês incrível e lamento muito pelo encerramento.

Espero que um dia a tecnologia seja equânime o suficiente para que não precisemos mais de grupos focados em diversidade de gênero. Esse dia ainda não chegou, mas seguimos lutando para mudar isso.

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Beatriz Oliveira
SysAdminas

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