A busca pela perfeição muitas vezes nos distancia da coragem e ousadia

Beatriz Oliveira
She Leads Brasil

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No ano passado li o livro “Corajosa sim, perfeita não”, de Reshma Saujani, e sem dúvidas, foi um divisor de águas na minha vida. Nele, a autora discute como as mulheres têm uma tendência a sentir mais medo de fracassar ou de parecerem bobas, pois desde criança fomos ensinadas a nos contentar com o que nos dá segurança, a sermos cautelosas nos brinquedos, a tentar tirar nota máxima em tudo e a sermos boazinhas para que os outros gostem de nós. Em contrapartida, os meninos são criados para serem mais aventureiros, a experimentar coisas novas, desmontar brinquedos e aparelhos e a voltar para o jogo mesmo depois de levar uma queda.

Das meninas, espera-se um comportamento exemplar e educado, enquanto dos meninos é aceito desde cedo que sejam bagunceiros e agitados. Até mesmo uma ideia social sugere que os meninos demoram mais para amadurecer, enquanto as meninas são condicionadas desde cedo a adotarem um comportamento “maduro” e estarem sempre à frente do seu tempo.

“Em outras palavras, meninos aprendem a ser corajosos, enquanto meninas aprendem a ser perfeitas.”

Sem dúvidas, esses fatores e estereótipos impactam a forma como crescemos e influenciam a criação das diferentes gerações de meninas e mulheres. Muitas ideias compartilhadas por Reshma neste livro são importantes e mostram que ainda precisamos evoluir para criar um mundo onde meninas e mulheres possam arriscar e ter coragem. Por isso, neste artigo, compartilharei minhas percepções sobre os tópicos que mais chamaram minha atenção durante a leitura.

As descrições a seguir contêm spoilers, então, se você ainda não leu o livro e não quer saber o que é abordado antecipadamente, recomendo que não continue a leitura.

A necessidade avassaladora de agradar

Logo no início do livro, Reshma aborda um ponto importante relacionado à busca pela perfeição das mulheres: o quanto nós, frequentemente nos preocupamos em atender às expectativas dos outros em detrimento das nossas. No livro, ela detalha sobre o “teste da limonada”, que ilustra bem esse exemplo.

Neste experimento conduzido pela rede de televisão ABC News em conjunto com o psicólogo Campbell Leaper, da Universidade da Califórnia, os pesquisadores ofereceram limonada com sal em vez de açúcar para meninos e meninas. Ambos beberam, e os meninos na hora disseram que era horrível e que iriam passar mal por tomar aquilo, enquanto as meninas, mesmo com dificuldade, beberam e disseram que amaram a limonada. Só depois que os pesquisadores insistiram e perguntaram por que elas não disseram que a limonada estava horrível é que elas admitiram que não queriam desapontar os pesquisadores.

A necessidade de agradar os outros muitas vezes nos leva a buscar formas de responder para satisfazer as expectativas alheias, em vez de sermos genuínas. Mascaramos nossos sentimentos e opiniões, evitando expressar o que realmente pensamos quando necessário.

Perfeição ou nada

Atire a primeira pedra quem nunca deixou de fazer algo por não se sentir 100% preparada, seja na vida pessoal ou profissional. Um estudo recente divulgado pelo LinkedIn mostrou que os homens tendem a se candidatar a empregos mesmo quando atendem a apenas 60% dos requisitos solicitados, enquanto as mulheres geralmente só se candidatam quando cumprem 100% desses requisitos.

Reshma Saujani também aborda no livro o relato de professoras envolvidas em sua ONG de programação, “Girls Who Code”. Elas contam que observaram que quando as meninas começam a programar, enfrentam dificuldades em mostrar seu processo. Se o código delas não funciona corretamente, ao invés de mostrar a linha de raciocínio usada até o momento, mesmo com a falha, elas apagam tudo e exibem um editor de código em branco. Preferem mostrar que não fizeram nada a apresentar um código imperfeito. É perfeição ou nada.

A necessidade de realizar tudo de forma incrível e perfeita nos leva à exaustão e também nos impede de aproveitar oportunidades. Nem sempre acertaremos algo novo de primeira, nem estaremos totalmente preparadas para aplicar para uma vaga de trabalho, fazer uma viagem para um país onde não dominamos o idioma ou qualquer outra atividade. Precisamos aceitar que isso faz parte do processo de evolução e estar dispostas a nos arriscar, mesmo sem estar 100% prontas.

O fracasso não é uma opção

Nesse tópico, Reshma discorre que "se fracasso não é uma opção, tampouco o é correr riscos".

O medo de fracassar e parecermos estúpidas é real e muitas vezes isso nos paralisa. A verdade é que, ao decidirmos nos aventurar e nos arriscar, existe a possibilidade de falhar, mas também a de acertar. Nesse contexto, Reshma detalha que no mundo das startups, o fracasso é celebrado como parte da inovação e da mentalidade empreendedora, com o lema “erre muito e erre rápido”, ou seja é melhor falhar tentando do que nem mesmo tentar.

Em um mundo cheio de princesas, ouse ser um cachorro quente

Ter a coragem de assumir nossa essência e quem somos também é um grande ato de bravura. Nem sempre podemos ser autênticas, muitas vezes nos moldamos ao ambiente em que estamos para atender às normas sociais que nos limitam, mas Reshma traz mais um exemplo interessante para quebrar esse padrão.

No livro, ela detalha que certa vez, uma foto de uma menina de 5 anos chamada Ainsley, da Carolina do Norte, viralizou depois que ela se apresentou na aula de dança da “Semana das Princesas” vestida não como uma princesa, mas sim com uma fantasia de cachorro-quente. A foto foi postada pela professora, viralizou e recebeu diversos elogios pela coragem e autenticidade da menina. Um dos melhores comentários foi: “Em um mundo cheio de princesas, ouse ser um cachorro-quente”.

Liberte-se da necessidade de agradar

Nesse tópico, Reshma aborda estratégias para nos libertarmos da necessidade de agradar, dentre elas ela cita:

  • A importância de confiar em si mesma.
  • Não estar nem aí com a aprovação alheia.
  • Adotar uma postura de “E daí?” diante de situações em que geralmente não se posicionaria por medo da validação dos outros.
  • Simplesmente dizer não para o que não queremos ou não podemos fazer.
  • Pedir coisas que geralmente não pediríamos, como negociar um preço melhor por um carro ou convidar para um café aquela pessoa que queremos conhecer melhor.
  • Persistir diante das situações e coisas que acreditamos valerem a pena.

Por fim, este livro tem muitas reflexões valiosas e é uma leitura que eu recomendo, especialmente para todas as mulheres. Reshma não apenas aborda os aspectos mencionados anteriormente, mas também compartilha como ela mesma cresceu imersa na necessidade de ser perfeita. Aos 33 anos, ela conseguiu fazer algo arriscado: candidatar-se a uma vaga de deputada no Congresso dos Estados Unidos, apesar de nunca ter exercido um cargo público antes. Desde os 13 anos, ela sonhava com esse cargo, mas seguiu uma carreira sólida no mundo empresarial, construindo um currículo impecável e formando-se em Yale, tudo para atender às expectativas da família e das pessoas ao seu redor.

Desejo que esta leitura te ajude, assim como vem me ajudando desde a primeira vez que eu a li, a ser cada vez mais corajosa e a me importar menos com a perfeição. Caso você não queira ler o livro, mas tenha interesse em saber mais sobre a história, deixo como referência o TED Talk da autora, onde ela detalha suas vivências e experiências nesse assunto.

Se você já teve a chance de ler este livro, compartilhe aqui nos comentários suas impressões sobre ele.

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